O texto abaixo foi publicado na Ilustrada de quarta-feira (13).
Nova diretora criativa da Tiffany quer quebrar padrão da joalheria
“Eu sei o que os homens querem, mas eles sabem o que nós queremos?” Em pouco mais de meia hora de conversa numa galeria de arte em São Paulo, a nipo-inglesa Francesca Amfitheatrof deixa claro a que veio: quer mudar radicalmente o mundo da joalheria, que hoje, segundo ela, “é masculino demais”.
Anunciada como a nova diretora criativa da grife americana Tiffany & Co., Amfitheatrof é a primeira mulher líder de uma das marcas da santíssima trindade da joalheria mundial, que inclui as francesas Cartier e Van Cleef & Arpels, ambas comandadas por designers homens.
As mudanças propostas por ela já começaram e devem mudar a forma com a qual os designers enxergam o valor das peças, geralmente calcado na exuberância das pedras preciosas.
Em suas primeiras coleções para a marca, como a T Collection, a ser lançada na próxima semana, Amfitheatrof quase não inclui gemas. Na linha anterior, Blue Book, usou diamantes pontuais nas peças cujos valores ultrapassavam os quatro dígitos.
“As pedras são importantes, mas sou uma ‘metalista’, me interesso muito mais por materiais como a prata e o ouro e como eles podem virar objetos de arte”, diz.
MATEMÁTICA
Ela criou com sua nova equipe de artesãos uma técnica para produzir colares, anéis e pulseiras a partir de cálculos geométricos. Daí saíram correntes entrelaçadas e anéis que, em vez de formarem um círculo fechado, têm uma fenda no meio.
Para se ter uma ideia da força que Amfitheatrof tem, ao dizer à “Vogue” inglesa que pode mexer no padrão da caixa de presentes da Tiffany -de um azul piscina que é marca registrada da casa-, ela foi assunto de artigos que questionavam o futuro da empresa americana.
Pisar num território tão tradicional como o da joalheria não amedronta a designer, conhecida por sua amizade com artistas plásticos e galeristas pop britânicos, como Jay Jopling, fundador do White Cube e que colocou o nome da amiga em evidência.
“Vou transpor para as criações da Tiffany essa bagagem no mercado de arte, que, assim como o da joalheria, tem muito a ver com emoção”, adianta Amfitheatrof.
Ela diz saber que muitos homens ainda compram joias como presentes para as mulheres. Mas seu objetivo é falar “às mulheres que consomem joias como uma extensão da própria personalidade”, afirma.
Leia a entrevista:
Folha – Você é a primeira mulher a assumir uma das casas de joias mais importantes do mundo. O que isso significa para a joalheria? Há uma mudança de estilo ou uma quebra de padrão em curso nesse mercado?
Francesca Amfitheatrof – Sempre que olho as outras joalherias penso: ‘cara, isso é tudo masculino demais’. Talvez esse seja o mundo mais masculino [da moda]. Não sou melhor que os outros, nem me considero exatamente uma feminista ao dizer isso, mas acho que uma mulher criando para outra mulher tem um ponto de vista mais sensível. Eu sei o que os homens querem, mas eles sabem o que nós queremos (risos)?A joia não se resume mais ao anel de diamante que o homem compra para a mulher no noivado. Muitas mulheres compram suas joias e quero criar para elas, para essas consumidoras que vêm as peças como expressão da sua personalidade.
Mas as pedras ainda são muito importantes para a joalheria, não?
As pedras são importantes e vou usá-las, porém, sou uma meatalista, não uma gemologista. Me interesso mais por materiais como a prata e o ouro e como eles podem virar objetos de arte, uma extensão da personalidade. Acredito que o mundo das joias mudou bastante de 20 anos para cá. Joias podem ser feitas de couro, por exemplo, se você olhar para as coleções de acessórios das grifes de moda. Isso me fascina.
Consome moda?
Bastante, considero um investimento. Uso [as roupas do estilista colombiano] Haider Ackerman, [as grifes francesas] Céline, Saint Laurent. Várias marcas. Gosto muito de ir aos desfiles para saber o que é novidade e entender o comportamento das pessoas. Ia a todos do Lee [apelido do estilista Alexander McQueen, morto em 2010], que era um dos meus melhores amigos.
Ele é uma inspiração?
Para todo mundo. Lee era feroz, um artista da moda mais do que um estilista. Embora até a sua morte a empresa não desse lucro, a indústria fashion precisa de pessoas como ele, que pensam a roupa para além do sentido utilitário.
Dentro das marcas de moda é comum haver um conflito entre o que os designers querem criar e o que o setor comercial acredita ser vendável. É diferente nas joalherias?
Tenho de pensar nas centenas de pessoas que trabalham comigo e dependem dos meus resultados. Em se tratando de ideias, sou muito prolífica e não tenho medo de descartar uma peça cujo desenho minha equipe não considere relevante. Meu trabalho é direcionar a Tiffany, que muita gente acha tradicional mas é uma das marcas mais vanguardistas da joalheria. No século 19, inovamos ao comprar todos os diamantes raros dos comerciantes franceses. Isso, na época, foi uma grande aposta. Agora tenho acesso aos arquivos de todas as décadas, das criações da marca no período art noveau até os anos 1990. Quero entrar na história da marca.
Parece gostar bastante de arte e história.
Estudei e trabalhei ao lado de boa parte do [grupo de artistas visuais] ‘Young British Artists’, como o [artista plástico inglês] Damien Hirst. Fiz várias joias para os casamentos desses amigos e sempre conversamos muito, trocamos ideias. O fascínio pela arte contemporânea me levou a fazer a curadoria do museu Gucci, em Florença, e de diversos outros espaços museológicos. Gostaria de transpor para as joias essa minha bagagem no mercado artístico, que, assim como o universo da joalheria, tem muito a ver com emoção, experiências únicas. Quero despertar curiosidade nas pessoas. Meu desejo é que o cliente entre na loja para conhecer algo novo, não apenas para comprar um anel de noivado [peça-ícone da Tiffany].
Conhece os artistas brasileiros?
Gosto de bater o olho numa galeria, entrar e conhecer novos artistas. Do Brasil, destacaria [o pernambucano] Tunga e [o fotógrafo] Paulo Nazareth como grandes artistas contemporâneos. Recentemente, no Rio, fui ao estúdio do [paulistano] Vik Muniz. Seu trabalho é incrível.