Entrevista completa: “Sim, ganho muito bem”, diz Gisele Bündchen

Por Pedro Diniz

Dinheiro, fama e sonhos não realizados. Confira tudo o que a modelo Gisele Bündchen falou em entrevista exclusiva à Folha, originalmente publicada no especial Moda: 20 Anos de Passarela (7/11/2014).

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Folha – Pode citar o momento mais marcante para você dessas duas décadas em que acompanhou a moda brasileira?

Gisele  Pude acompanhar um pouco do crescimento da moda aqui no Brasil, comecei junto com ela. Para mim, um dos momentos mais marcantes foi meu primeiro desfile para a Zoomp [em 1997], no Morumbi Fashion. Fui escolhida para ser a Alice, a mesma do país das maravilhas e personagem principal da apresentação.  Todas as modelos brasileiras estavam iniciando naquela época, e me senti lisonjeada. Claro, eu era um neném na época, mas aquele fato em específico foi especial por eu ter me sentido importante. Perguntei: “Sério que você quer que eu seja ela?”. O gatinho que eu segurava me arranhava, assustado com a música alta, e eu ali, feliz.

Imagino que houve momentos difíceis também.

Claro. Minha primeira temporada internacional [logo após o desfile da Zoomp] foi a mais difícil. Na época ninguém olhava para meu “book”, eu era o oposto das meninas do “heroin chic” [mulheres esquálidas, com olheiras e tatuagens], que na época era a grande sensação. O único desfile que fiz das 42 seleções que fiz naquela temporada foi o da chuva do [estilista inglês, morto em 2010] Alexander McQueen. A minha agência estava super feliz, porque ele já era um deus na época. Eu tinha de fazer. Me mandaram para lá sem prova de roupa. Cheguei no camarim e mandaram eu tirar a roupa e usar apenas uma saia. Meus peitos de fora, aquela peruca preta que escondia meu choro. Estava vulnerável. Lembro bem que, quando entrei na passarela, não era um chuvisco, era uma chuva forte e eu, chorando, ainda tinha de andar na passarela molhada com uma saia apertada. Posso ter feito muita coisa, mas nada foi tão aterrorizante quanto aquele desfile.

Você tinha problema de ficar sem roupa?

Até hoje não gosto, me sinto desconfortável. A única foto que fiquei nua de verdade foi uma para o [fotógrafo] Irving Penn [em 1999]. Nunca achei que tivesse um corpão, não tenho tanto peito, quadril… Aprendi a usar o meu corpo na foto, como a roupa senta melhor, como ele pode passar um sentimento sem falar. Na época em que saiu a foto numa revista eu queria comprar todos os exemplares [risos]. O [fotógrafo] Steven Meisel talvez tenha sido o melhor professor que tive. Nas fotos que fizemos para a “Vogue” americana, ele colocava um espelho na minha frente enquanto fazias as fotos. Aprendi a posição certa ali.

E como foi a quebra do padrão de beleza do “heroin chic” para o seu, mais saudável? Após a sua primeira capa para a “Vogue”, em 1999, tudo mudou.

Acho que a moda cíclica, e não é diferente para as modelos. Eu acredito muito em energia, coisa de momento. Não foi meu visual, acho. Cheguei no momento de transição e eu fui a pessoa que eles pegaram para promover. Não acho que tenho curvas, e o título “o retorno das curvas” na capa dá uma ideia de como era o padrão de beleza. Londres é um exemplo. Quando cheguei lá era enorme a quantidade de meninas que tinham piercing, tatuagens, olheiras… Daí eu cheguei para a moda assim, comprida, magra, saudável, cabelo grosso, feliz, coisa que sempre fui. As pessoas se perguntavam quem é esse ET, diziam, gente, ela é um ET (risos).

A imagem de Gisele mantém-se igual desde os anos 1990. Já tentaram te mudar?

Já me pediram para alterar o visual algumas vezes. Sempre que isso era o requisito básico, eu acabava deixando o trabalho de lado. Nunca fiz mudanças drásticas de visual. Gosto quando posso usar perucas de cores variadas, fazer maquiagens diferentes e de poder me transformar por inteiro para uma foto. Para mim, sempre foi muito importante me sentir bem depois do trabalho acabar, tirar a maquiagem, desmontar o cabelo e voltar a ser simplesmente eu. Acredito que as pessoas escolhiam trabalhar comigo não pelo meu look, mas pela minha energia e profissionalismo. É difícil falar de mim mesma, mas se você pega nos sites ninguém diz que conseguir alcançar o que alcancei por ser bonita, sempre falam de um ponto ou outro do meu trabalho, a forma com que lido com a câmera.

Por que há tanta especulação sobre quanto você ganha?

Eu acho que se tem a impressão de que o sucesso na vida está ligado ao sucesso financeiro, deve ser por isso que as pessoas gostam de especular sobre cifras. Para mim o sucesso vai muito além disso. Realmente não entendo o que muda na vida de uma pessoa se ela souber o quanto a outra fatura. Isso não agrega nada. O maior problema que vejo nisso é que, na maioria das vezes, os números são inverídicos. Aliás, a última grande mentira foi que eu havia fechado um contrato milionário por 10 anos com uma empresa de esportes [a americana Under Amour]. Sim, eu ganho muito bem, mas muito menos do que divulgam por aí.

Como lidou com a pressão de voltar ao corpo de modelo após a gravidez?

Na verdade, desde antes de engravidar eu já estava buscando um estilo de vida mais saudável. Depois que meus filhos nasceram isso se intensificou ainda mais. Acredito que tenha sido um pouco mais fácil voltar ao meu peso, pois estava bem antes de engravidar e mantive minha rotina saudável durante a gestação. É claro que o corpo muda, não só pela gravidez, mas também por causa da idade. E foi preciso me adaptar a este novo momento. Na vida já aprendi que nada vem sem esforço e dedicação.

Seu projeto de carreira foi moldado logo quando começou a carreira ou teve, em algum momento, de se adaptar às exigências do mercado?

Quando você entra em uma carreira você sabe minimamente o que deve fazer, mas não há garantias de nada. Tudo vai depender do seu trabalho, empenho e do seu tino para o negócio, habilidade ou como queiram chamar.Em minha carreira, dei um passo de cada vez, seguindo o meu instinto e, conforme tomava decisões, analisava o resultado delas. Eu queria ser a melhor no que fazia, mas jamais poderia imaginar que iria chegar aonde cheguei. Hoje entendo que sou o resultado das minhas escolhas e estas escolhas foram muito baseadas na minha intuição.

Quais as lembranças mais importantes do tempo em que não era famosa?

Lá em casa as roupas passavam das mais velhas para as mais novas e sempre usávamos umas as roupas das outras. Minha mãe tinha o costume de comprar as roupas um tamanho maior para durar mais tempo. Não éramos muito ligadas em moda. Também tinha dificuldade de achar calças que coubessem em mim, por ser tão alta e magra. A adaptação a este novo mundo fashion não foi muito fácil. Eu não costumava gastar muito dinheiro em roupa, até porque não tinha para isso. Comecei a ganhar muitas roupas quando inciei na passarela, pois alguns estilistas pagavam parte dos cachês em peças.

Como resume a moda brasileira desses 20 anos? 

O Brasil tem muito a oferecer, temos estilistas competentes e as criações feitas aqui não deixam nada a desejar comparadas às dos estilistas gringos. Além disso, ela consegue trazer um pouco da cultura do artesanato, tão rico em nosso país, para as passarelas. Apesar do potencial da moda brasileira, percebo que quem ainda dita a moda no mundo são os antigos e tradicionais berços da moda, como a França, a Itália e os Estados Unidos. É uma questão cultural. Mas acredito que é possível encontrar brechas e oportunidades lá fora.

Nesses 20 anos de moda ainda não surgiu nenhuma outra Gisele, nenhuma outra modelo de tamanho impacto na moda. Por que?

Não sei lhe dar esta resposta, não tenho uma ideia exata. Até porque, quando paro para pensar, ainda fico surpresa com as proporções que minha carreira tomou. Não acho que haja uma fórmula para isso, se houvesse todo mundo a usaria. Eu cheguei no momento certo, quando a moda precisava de mim para mudar. Foi isso. Sempre fui muito autêntica. O meu trabalho não define quem eu sou como pessoa e, apesar de me divertir fazendo moda, não me sinto escrava dela. Eu vivo muito isso. Eu não julgo os fatos, quando a coisa não acontece da forma que eu planejei, eu paro e penso, como é que eu posso aprender e lidar com isso.

Se tivesse de dar cinco conselhos para aspirantes a modelo, quais seriam?

Seja profissional, aja com integridade e humildade, seja autêntica, tenha foco, sempre dê o seu melhor e siga seu coração.

O que você ainda não realizou e quer realizar nos próximos anos? 

Eu acredito que os sonhos nos movem e por isso nunca podemos parar de sonhar. Sou movida a sonhos e ainda tenho muitos para realizar. Mas sonhos a gente não conta, trabalha para torná-los realidade.