Retalhos ‘perdidos’ da história têxtil latina viram coleção de moda

Por Pedro Diniz

Dois meses, 22 cidades e seis países da América Latina depois, a gaúcha Celina Spolaor, 28, conseguiu colher os 20 metros de tecido necessários para a primeira coleção de sua grife, a Céu Handmade.

Da longa viagem dessa ex-publicitária, que ficou famosa em Porto Alegre (RS) por criar uma confecção especializada em customizar peças antigas encostadas no armário, saíram cem peças feitas à mão lançadas neste mês na página da marca no Facebook.

A megalomania de Spolaor tem fundamento. A coleção intitulada “Latinoamerica” recupera traços da história têxtil latino-americana mantidos em segredo por tribos indígenas e comunidades de artesãos da América do Sul.

“Algumas dessas técnicas de manufatura tive de aprender fora dos lugares de origem. As índias Kuna Yala [Panamá], por exemplo, não quiseram me ensinar a mola, uma arte de costurar estampas em camadas de tecido. Só no Peru, perto de Cuzco, encontrei uma artesã que conhecia o método de produção e me deixou acompanhar o processo de confecção”, conta Spolaor.

Da coleção lançada há pouco mais de uma semana só sobraram cerca de 30 peças. Segundo a estilista, não houve nenhum esforço de marketing além do lançamento, que ocorreu numa galeria de arte de Porto Alegre.

“Aconteceu tudo no boca a boca. As pessoas estão interessadas em comprar histórias embutidas numa peça de roupa, algo exclusivo. No caso dessa coleção, os materiais também são originais, produzidos na fonte, o oposto da lógica do ‘fast fahion’ difundido na moda.”

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A máxima de que cada roupa deve carregar uma história e que as técnicas de manufatura devem ser conservadas para a posteridade é a equação das grifes centenárias da Europa. O marketing das grandes marcas de luxo é, invariavelmente, focado na herança deixada por seus fundadores.

Pense nos itens de selaria e nos lenços de seda da Hermès, reeditados na última década por artistas plásticos, na jaqueta preta da Chanel que ganhou exposição e livro, no monograma Vuitton recriado por estilistas e artistas na última campanha da marca.

O legado, mesmo que revisto na arara e na passarela, é a base da “memória afetiva” que toca os consumidores de cada uma dessas etiquetas.

A América Latina acostumou-se a importar esses signos dentro do guarda-roupa. Por falta de investimento dos empresários de moda em proteger a história têxtil sul-americana, resultado do distanciamento cultural e econômico que os países mantiveram até a implantação do Mercosul, nos anos 1990, os países latino-americanos ainda se entreolham com estranhamento estético.

O entrosamento cultural entre os países ainda parece se restringir ao consumo da produção cinematográfica e literária. Quando é colocado na passarela brasileira, o intercâmbio de moda latino-americano parece ser visto como elemento exótico dentro das coleções, mesmo que a tendência étnica seja uma constante nas passarelas internacionais.

Aqui, curiosamente, é mais aceitável misturar no look do dia um poncho da grife inglesa Burberry personalizado com as iniciais dos clientes – nova graça de blogueiras, modelos e celebridades como a atriz Sarah Jessica Parker – que a mesma peça produzida no Peru, onde é alinhavada e colorida à mão.

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Na coleção de Spolaor não há ponchos, mas sim jaquetas, saias e camisetas. Algumas dessas peças são feitas do mesmo tecido usado na vestimenta peruana. Os itens custam entre R$ 100 e R$ 250.

Já os ponchos Burberry customizados (um tiro certeiro do diretor criativo e CEO da marca, Christopher Bailey) não saem por menos de R$ 1.500. Ou melhor, saíam. Na versão em português do site da grife estão esgotados.