Capitalismo sustentável. Essa será a expressão mais ouvida dos próximos anos quando se trata de consumo, seja ele de bens duráveis ou considerados “supérfluos”, como os de moda e itens de beleza. A lógica de consumir menos e melhor, base dessa nova relação – talvez, um tanto utópica – entre o dinheiro e a saciedade do desejo, deverá ser um pilar estratégico para o relacionamento entre grifes e clientes.
Se a maioria das marcas brasileiras ainda não encontrou uma fórmula que convença os consumidores de sua responsabilidade social, com um sem fim de ações pontuais sem relevância a longo prazo, uma nova grife de moda masculina, lançada na internet por três paulistanos, pode servir de exemplo.
A Oriba (alegre, na língua tupi), inaugurada há três semanas pelo gestor de relações públicas Rodrigo Ootani e pelos marquetólogos Marcelo Collis e Paulo Moreira, quer proporcionar uma experiência de compra responsável. A cada peça de roupa vendida no site da marca, focada em itens básicos do guarda-roupa masculino como camisetas e bermudas, um kit escolar é doado para crianças da ONG Obra do Berço, em Paraisópolis, na Grande SP.
Veja aqui o site da grife Oriba
Os amigos, todos com 28 anos, tomaram como exemplo dois projetos similares que fazem sucesso nos Estados Unidos e em países europeus.
O primeiro é o da marca Twins for Peace, dos gêmeos franceses e herdeiros da grife Hermès, Maxime e Alexander Mussard, que ganhou reconhecimento da Unicef por doar um par de sapato para crianças em situação de extrema pobreza a cada par vendido em seus pontos de venda pelo mundo.
A marca californiana de alpargatas Tom’s, do americano Blake Mycoskie, também foi inspiração para a Oriba. A grife opera no mesmo esquema da Twins, chamado “one to one”, e já teria doado mais de 35 milhões de pares de sapatos para crianças, principalmente africanas.
A versão brasileira desse tipo de resposta social ao consumo está em fase embrionária. Segundo Marcelo Collis, até agora foram doados 200 estojos escolares com caneta, lápis de escrever, lápis de cor, apontador e borracha, resultado da mesma quantidade de peças vendidas no e-commerce da Oriba desde sua abertura.
“Queremos tornar o negócio viável e achamos que educação é um ponto importante para ser estimulado no Brasil. Ainda nem começamos o plano de marketing e vendemos uma quantidade razoável de peças, com matéria-prima e produção 100% nacional”, explica Collis.
Ele conta que, durante a procura por fornecedores capacitados, viajaram ao Peru para conhecer produtores de algodão Pima, considerado pela indústria da moda o melhor do mundo. Optaram pelo produto brasileiro.
“Muitas empresas de confecção e de tecido nacionais perderam competitividade para a China e para o Peru. Agora, o produto americano também é um ameaça para a indústria têxtil nacional. Achamos que o discurso sustentável também tem de passar pela produção.”
No sul do país, encontraram o melhor tecido de algodão. Em São Paulo, especificamente em Santo André, no ABC paulista, e na região do Bom Retiro, no centro da capital, contrataram as duas confecções que produzem as calças, camisetas, camisas e bermudas da marca.
Collis afirma que ele e os sócios visitam, semanalmente, as empresas terceirizadas pela Oriba. “Não adianta ter o discurso sustentável se o seu fornecedor te derruba com condições de trabalho degradantes”, diz o empresário, citando os casos recentes de trabalho análogo à escravidão flagrados pelo Ministério Público em confecções paulistas.
Veja o vídeo-manifesto Homens em Movimento da marca Oriba:
CORPO BRASILEIRO
Além do viés responsável, a grife traz um conceito de tabela de medidas famoso no hemisfério norte mas ainda pouco usado no Brasil. As camisetas e, em breve, as calças e os itens de camisaria, vêm com denominações de curto ou longo nas versões P, M e G.
Ou seja, cada grade tem uma versão com alguns centímetros a mais ou a menos para respeitar a altura do cliente.
“Sabemos que o corpo brasileiro é muito diversificado e, como caimento é um dos pilares do estilo que oferecemos, queríamos peças compatíveis com a estatura dos nossos clientes”, explica Collis.
(Leia mais sobre o desajuste de medidas nas grifes masculinas e femininas do Brasil)
Uma ferramenta on-line foi desenvolvida para que os clientes encontrem seu tamanho ideal. Além da altura, a grife pergunta: “você se parece com quem? Está mais para Pharrell Williams, James Franco ou Tom Brady?”. Até agora, os clientes se assemelham mais com Franco (M Curto) e Brady (G Curto).
A professora de modelagem da Faculdade Santa Marcelina, Angela Yamashita, prestou consultoria para a marca durante a concepção das peças.
O item mais barato, uma camiseta, custa R$ 74. A peça mais cara, uma calça de algodão e elastano com acabamento de alfaiataria, R$ 188.
***Mais***
Para quem procura outros exemplos brasileiros desse “capitalismo sustentável” vale uma visita ao site do projeto Rebeldes com Causa, idealizado pela grife carioca Reserva.
A marca investiu o dinheiro de sua última campanha e desfile numa operação de médio a longo prazo para favorecer 11 ONGs e projetos sociais.
Entre as iniciativas contempladas está a do carioca Luti Guedes, 21, embaixador da ONU para a educação no Brasil. A grife criou uma linha de produtos que tem renda revertida para os projetos de saúde e de educação que Guedes desenvolve em comunidades ribeirinhas da Ilha de Marajó (PA).
Também está na lista de iniciativas o projeto Gerando Falcões, do jornalista paulista Eduardo Lyra. A Reserva criou uma marca de camisetas para que jovens de comunidades dominadas pelo tráfico vendam roupas em vez de drogas. A grife concede microcrédito para esses jovens, indicados por Lyra, reinvestirem após a venda dos produtos.
“É bom para os dois lados, você cria novos meios de divulgação da marca e, ao mesmo tempo, investe em outros projetos que trazem retorno para a sociedade”, diz Rony Meisler, dono do grupo Reserva. Pelo projeto Rebeldes, ele ganhou o prêmio “Homem do Ano” da associação americana Fashion For Development, ligada a ONU.
Veja o vídeo do projeto “Rebeldes com Causa”, do grupo Reserva:
Esse estímulo ao desenvolvimento sustentável por meio da moda e à cadeia criativa é a lógica que o grupo Soma, do empresário carioca Roberto Jatahy, dono da grife Animale, segue para suprir a falta de mão de obra.
Em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), a empresa verticalizou dentro de uma fábrica montada pelo grupo todo seu processo de confecção, subsidiando cursos de modelagem, costura e a compra de maquinário. A ideia, segundo Jatahy, é formar várias confecções semelhantes pelo país.
Ao todo, em menos de um ano, já foram investidos R$ 3 milhões em um protótipo de confecção subsidiada e instalada no Rio onde 15 pessoas já produzem para o grupo.
“Não podemos mais contar com a sorte. A mão de obra está escassa e a indústria vai padecer se não encontrarmos alternativas de suprir a demanda por mão de obra. Você dá emprego, forma, coloca o controle nas mãos de pessoas que precisam e gera receita para a marca”, explica Jatahy.