“O que é feio para você pode não ser para outro” é daqueles ditados que o sistema da moda sempre refutou. Afinal, a cada seis meses, durante as temporadas de desfiles, um manual do que seria certo e errado para os estilistas norteia as listas de tendências.
Desde o começo deste ano, porém, o embate entre feio e bonito datou. Ou melhor, encafonou. Peças saídas dos guarda-roupas dos anos 1960, meados da década de 1980 e início dos 1990 encheram as passarelas e as vitrines de grifes de moda para tomar as ruas, as academias de ginástica e os círculos fashionistas.
A pochete (pequena bolsa de cintura), o sapato branco, as polainas –como as do filme “Flash Dance” (1983)–, a blusa de gola alta e a sandália Birkenstock, conhecida como papete, geralmente feita de tiras de couro presas a um solado achatado de cortiça, são algumas “cafonices” que voltaram ao mercado com força.
“É um estilo ‘tô nem aí’ de se vestir que a [grife francesa] Céline tornou famoso. É um fingimento, claro, já que a escolha por essa desconstrução [do que se entende por beleza] é calculada”, define a consultora de moda e empresária Costanza Pascolato.
Para ela, o retorno à ribalta do que há até pouco tempo era considerado brega tem a ver com o fato de a juventude não ter vivenciado a moda de três décadas atrás. Essas peças, portanto, quando relançadas sob nova roupagem, não seriam tidas como de mau gosto.
“É uma maneira de as pessoas mostrarem um estilo próprio. Você pode não gostar de Valesca Popozuda, por exemplo, taxá-la de brega, mas há bastante gente interessada no modo dela de se vestir. Não há mais regras, tudo está permitido”, diz Pascolato.
VALE-TUDO
No vale-tudo da moda, a grife italiana Valentino dividiu os entendidos de moda ao vestir, em julho passado, um modelo com uma pochete florida no último desfile masculino de verão 2016. Antes dela, a italiana Gucci e a francesa Chanel já haviam mostrado suas bolsas da discórdia na passarela feminina.
Ambas as grifes, aliás, também apostaram no retorno das polainas, que nas vitrines do varejo popular de São Paulo não custam mais que R$ 20.
Cafonas ou não, polainas, sapato branco, blusas de gola alta (ou rulê) e pochetes compõem o closet da maquiadora Jake Falchi, 30. “Todo mundo tira onda da minha cara, porque sempre tem um cara estranho usando pochete”, diz Falchi. “Mas, como não gosto de usar nem mochila nem bolsa, passei a usar [a pochete] para guardar os documentos e o celular.” Ela tem cinco modelos no armário.
Funcionais, as sandálias da grife alemã Birkenstock fazem parte do look do empresário Ian Guedes, 32, há cinco anos. Quando está em casa, longe dos olhares de reprovação dos amigos, ele adota a papete com meias.
“Quando usava crocs [tamanco de plástico] tiravam mais sarro. As ‘birkens’ são mais aceitas, têm um ar de sofisticação que combina com bermuda, calça, camiseta e camisa social”, diz Guedes.
O CEO da marca, Oliver Reichert, aproveitou a exposição das sandálias no meio fashionista para expandir o solado “footbed” (mais anatômico), característico das sandálias alemãs, para pés estrangeiros.
À Folha, durante uma feira de calçados na Alemanha, Reichert disse que além de São Paulo, onde a marca iniciou a operação neste mês, o Rio deve abrigar um ponto de venda da etiqueta nos próximos anos. A Birkenstock tem 241 anos e ficou famosa pelo desenho ergonômico confortável.”Há poucas peças que conseguem sobreviver ao tempo, e são sempre aquelas que trazem funcionalidade e conforto”, diz o executivo.
Ele acredita que versões de plástico dos seus modelos mais famosos podem ser em breve, no Brasil, uma opção aos chinelos de dedo da Havaianas. “Você pode achá-la feia, não gostar do estilo, mas ela te faz bem de alguma forma. Isso está além da moda.”