Entrevista: A cartilha de Giorgio Armani, 81

Por Pedro Diniz

Leia trechos da entrevista com o estilista italiano Giorgio Armani, 81, perfilado na Serafina deste mês. O empresário, mais bem-sucedido da indústria da moda, lançará livro homônimo de imagens com um apanhado de sua trajetória. Editado pela Rizzoli, o calhamaço de 576 páginas será vendido a partir deste mês nas livrarias americanas.

Capa do livro "Giorgio Armani", a ser lançado em setembro. Divulgação
Capa do livro “Giorgio Armani”, a ser lançado em setembro. Divulgação

MODA ITALIANA

“Os meados dos anos 1970 foram uma época tumultuada e promissora para moda italiana. Na época, ainda não era claro o que era ser um estilista. Eu sabia que eu tinha algo original a dizer e percebi que havia homens e mulheres em torno de mim que queriam roupas que estivessem realmente em sintonia com os tempos de mudança. A moda italiana foi criada com o apoio de um coro forte e bem definido de designers. O sistema da moda mudou muito ao longo do tempo. Tudo acelerou e talvez o entusiasmo genuíno tenha desaparecido. Mas ainda tenho paixão e determinação [pelo que faço].”

INÍCIO DA CARREIRA

“Devo confessar: não tinha uma grande paixão pela moda, pelo menos não no início. Acabei neste mundo porque eu quis projetar [por meio da moda] pessoas reais e satisfazer suas necessidades. Eu lancei uma abordagem coesa, moldada pela busca contínua de harmonia, linhas, materiais inovadores, sofisticação e qualidade. A reação do público foi surpreendentemente positiva desde o início. Minhas roupas estruturados atenderam às necessidades dos homens e mulheres da época.”

VIDA AOS 80

“Acordo sempre às 7h e vou à academia. Isto pode parecer uma rotina restrita, mas é muito gratificante. Eu trabalho muito. O ritmo exigente mantém você em forma e um dos meus segredos é uma dieta equilibrada e saudável. Permito-me a tomar umas curtas férias apenas em agosto e dezembro. Nesses momentos, gosto de viajar de barco com amigos, para países quentes, se possível. Também há, obviamente, Pantelleria [cidade na Sicília], que é meu retiro, talvez o único lugar onde eu consigo realmente relaxar e recarregar as energias.”

PEQUENO GIORGIO

Minha infância foi marcada por grande contenção de despesas, mas havia dignidade. tivemos pouco, mas nunca faltou. Trato o meu dinheiro da mesma maneira hoje: ele é uma ferramenta que gasto com prudência. Ele nunca foi a motivação para o meu trabalho, eu queria ser capaz de me expressar, e tornei-me rico por acaso.”

VENDA DA MARCA

“Nunca pensei em vender minha marca. A independência é necessária para mim. Me vejo como um designer-empresário e minha visão de negócios é parte da minha abordagem para a moda. Devo dizer que não é fácil manter-se independente nos dias de hoje. Há várias exigências que recaem sobre você, e todos os dias entro numa competição real com os gigantes da moda. No entanto, eu não mudaria meu pensamento por qualquer coisa no mundo, a chance de fazer tudo como eu penso e desejo é o meu maior luxo.”

A MODA HOJE

“Sempre observei cuidadosamente a realidade e o mundo que me rodeia, para responder qual a melhor maneira de lidar com os pedidos dos clientes. O fast fashion mudou o mundo da moda, essa introdução de velocidade na produção e o baixo custo. Eu já tinha pensado neste mercado por volta de 1991, com minha linha Armani Exchange, que não é exatamente uma coleção de baixo custo, mas uma gama maior de produtos de moda. A internet vai, sem dúvida, influenciar hábitos e comportamentos de compra. Devo dizer, no entanto, que prefiro usar tecnologia de uma forma bastante moderada. Acredito no contato entre o cliente e o produto, algo que, para mim, é fundamental. Por isso o investimento em lojas próprias que comunicam uma mensagem visual da mais alta importância para mim.”

CRISE ECONÔMICA

“Depois de anos de recessão, acho que o cliente de hoje dedica maior atenção e compara constantemente os preços para selecionar o melhor a um preço justo. No entanto, não é sempre que essa compra tem de ter a um baixo custo. O consumidor sabe bem que certas fibras e certos materiais custam caro. Eles são, no entanto, perfeitamente conscientes do exagero injustificado, dos preços altos que não podem aceitar.­”

BRASIL

“O Oriente Médio e o Extremo são os mercados com os clientes mais apaixonados no momento. Contudo, nosso foco em novos mercados permanece constante e o Brasil é, de fato, uma área altamente dinâmica. O mercado brasileiro tem mostrado ser promissor, vital e receptivo. Sua clientela [brasileira], como de todas as populações latinas, a Itália inclusive, tem um grande sentido estético e boa propensão para a moda em sua aceitação de vitalidade, uma dose de vaidade que nos ajuda a se sentir melhor, independentemente se somos homens ou mulheres.”

LIVRO DE IMAGENS

“O livro demorou dois anos para ser desenvolvido. Queria mostrar ao público um Armani que conta sua história em primeira pessoa por meio de imagens e memórias. Acho que esse projeto mostra a grande coesão e autenticidade do que eu fiz e a indissolúvel conexão entre a minha vida e a minha obra. Me senti um pouco nostálgico um número de vezes durante a criação do livro, para momentos importantes e pessoas que não estão mais conosco. Revivi experiências esquecidas. Em geral, não sou nostálgico, acho que a nostalgia é uma emoção paralisante. O livro simplesmente me ajudou a colocar a minha história em perspectiva, enquanto eu continuo a olhar para frente.”

ROUPA SEM GÊNERO

“A fusão do olhar masculino e feminino tem sido sempre parte do meu estilo. Dedico toda uma seção deste tema em meu livro. Nos anos 1970 e 1980, por exemplo, eu usei crepes para criar jaquetas masculinas e muitas pessoas ficaram surpresas porque foram considerados tecidos femininos. Acredito que você precisa aplicar um certo grau de contenção, como é o caso para tudo. Os homens devem sempre ser homens, eles não devem usar roupas tipicamente femininas.”

CONCEITO DE BELEZA

“Conhecer a si mesmo completamente, tanto fisicamente quanto mentalmente, para que você selecione sempre os vestuários mais adequados e nos quais você fique à vontade, é primordial. A capacidade de observar e reconhecer-se no espelho é a base fundamental da elegância. Mudar seu corpo [com cirurgia plástica] é uma maneira de se conformar com um ideal de beleza generalizado, superar profundas inseguranças arraigadas. Apesar de eu não fazer, concordo, porque envolve uma dimensão muito pessoal.”

FUTURO

“Amo meu trabalho, que está intimamente ligado com a minha vida, e eu nunca pensei em desistir. Não estou cansado. Tenho me cercado por funcionários capazes ao longo dos anos, pessoas que eu tenho treinado e desenvolvido com um olho para quem seria meu substituto. Por isso, posso dizer que tudo está pronto. No tempo certo a minha equipe vai assumir tudo por conta própria, mas eu não pretendo desistir nesse momento. Gostaria de ser lembrado como o homem que sugeriu um novo tipo de elegância, natural e sofisticada.”

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