No dia em que os Estados Unidos relembraram os atentados às Torres Gêmeas, em 11 de setembro de 2001, a grife francesa Givenchy armou um enorme e controverso desfile ao ar livre, transmitido na internet e em diversos pontos de Manhattan, no segundo dia da temporada primavera-verão 2016 da semana de moda de Nova York.
Os telões da Times Square começaram a transmitir às 20h30 (horário de Brasília) desta sexta-feira (11) as imagens do Pier 26, na parte baixa da cidade, onde ocorreu a apresentação.
Às margens do rio Hudson e em meio a uma plateia de centenas de pessoas, um monge budista entoava notas de uma canção religiosa enquanto homens e mulheres vestidos de preto e branco, dirigidos pela sérvia Marina Abramovic, encenavam “a paz e o amor”, o “perdão” e “um futuro feliz”, nas palavras da artista performática (veja vídeo).
O cenário da apresentação, apoiada pela prefeitura de Nova York, foi todo construído em madeira detonada e placas de PVC envelhecidas para remeter a uma cena de destruição. Próximo dali, compondo a imagem, reluzia o novo complexo de prédios World Trade Center.
Acompanharam o desfile celebridades como as atrizes Uma Thurman e Julia Roberts, o cineasta Pedro Almodóvar, o casal pop Kanye West e Kim Kardashian e a cantora Nicki Minaj.
Quando a primeira modelo subiu na passarela, a voz do monge deu lugar a uma outra, gravada, de um canto islâmico. Na desfecho, uma interpretação ao vivo de Ave Maria, hino católico, embalou a fila final.
Ao usar um dia triste para os novaiorquinos como pano de fundo deste desfile, que comemora seus 10 anos à frente da direção criativa da Givenchy, Tisci, mais uma vez, prova ser um provocador de primeira linha.
Suas roupas são releituras bem trabalhadas em rendas e tecidos acetinados dos trajes usados pelos clérigos católicos. A impressão é que algumas peças são espécies de mortalhas construídas com técnicas de alfaiataria.
O sincretismo religioso, representado pelo candomblé, também foi adaptado em um estilo quase romântico.
O smoking, traje típico de celebração, foi remodelado em diversos looks masculinos e femininos. Alguns paletós receberam aplicações de bandeiras dos EUA pintadas de preto, em sinal de luto. Porém, e propositalmente, o estilista não deixa claro se o ornamento serve de homenagem ou crítica aos americanos.
Explica-se: Tisci é o estilista que mais discute por meio de roupas a supremacia dos ricos sobre os pobres. Em suas coleções, sobram referências a culturas latinas e minorias, características que sempre chocaram a moda francesa e causa ojeriza em alguns tradicionalistas da costura. Os jovens, por sua vez, amam o viés urbano embutido nesse discurso.
Outro detalhe importante é que o designer transforma a efeméride sombria em produto enlatado. O desfile da Givenchy, que tradicionalmente é realizado na semana de moda de Paris, desta vez aconteceu em Nova York para celebrar a abertura de uma flagship da marca na cidade.
É como se Tisci convocasse o povo americano para celebrar um recomeço em suas vidas, abaladas pelos atentados de 14 anos atrás, comprando. Claro, na nova loja da Givenchy.