Mais uma vez a questão do plágio, da cópia e da inspiração é assunto no mundo da moda. A grife francesa Chanel foi forçada a admitir, na semana passada, ter usado peças de uma desconhecida estilista escocesa para produzir a última coleção “Métier’s d’Art”, apresentada em 1º de dezembro num estúdio da Cinecittà, em Roma (Itália), sem autorização da designer.
No desfile, elogiado pela crítica especializada e que tem como objetivo valorizar o trabalho artesanal das empresas mantidas pela Chanel, modelos mostraram suéteres de malha estampados com padrões típicos de Fair Ilsle, nas ilhas Shetland, onde está localizado o ateliê da pequena malharia.
Veja o desfile Paris in Rome 2015/2016, do projeto Métier’s d’Art da Chanel:
Não tardou até a estilista britânica Mati Ventrillon reivindicar a autoria das peças por meio das redes sociais. Em uma postagem na rede social Facebook, Ventrillon contou que dois estilistas da equipe de Karl Lagerfeld visitaram sua loja meses antes do desfile e levaram peças para pesquisa. Ela lhes vendeu com a condição de que não seriam usadas na coleção.
O furdunço virtual causado pela acusação de plágio levou a Chanel a se retratar publicamente, dizendo que houve “uma falha na comunicação entre as equipes”, e afirmar que dará o crédito “Matti Ventrillon Design” no trabalho de comunicação da Métiers d’Art 2015.
Em um texto publicado no canal oficial da Chanel, a grife diz que “as malhas feitas por Mati Ventrillon refletem essa herança [de Fair Isle] que relembra os tempos em que os habitantes da ilha navegavam o mundo, entre América e Europa, enquanto em casa, suas mulheres passavam horas inventando novos e ainda mais padrões originais”.
A atitude da grife em reconhecer a cópia dos modelos de Mati Ventrillon foi justa e, principalmente, inteligente. Além de mostrar preocupação em dar crédito aos pequenos produtores de moda, a grife se safou de uma encrenca maior, como a que a estilista francesa Isabel Marant se meteu.
O lançamento de uma blusa estampada com motivos tribais da Isabel Marant Étoile (segunda grife da estilista), no ano passado, deixou irritada a marca francesa Antik Batik, que abriu um processo judicial contra a etiqueta alegando plágio de uma das estampas usadas na coleção de primavera-verão 2015.
No texto de defesa, a grife Isabel Marant afirma que não copiou a conterrânea pelo fato de a estampa ter sido “inspirada” numa pintura de 600 anos da tribo Mixe de Santa Maria Tlahuitoltepec, localizada na região de Oaxaca, no México.
Findado o processo entre as duas marcas, membros da comunidade de artesãos da cidade mexicana acusaram as francesas de tentar roubar os direitos de uso dos padrões. Em junho, segundo jornais locais, o governo francês teria enviado um documento para a prefeitura de Santa Marica Tlahuitoltepec pedindo que as artesãs locais parassem de usar as padronagens em suas peças, alegando que Marant teria conseguido patentear os desenhos.
A estilista negou o pedido de patente e o prefeito que teria recebido a notificação desmentiu a notícia. Não foi suficiente e tanto a Antik Batik, que saiu à francesa e não comentou mais o assunto, quanto a Isabel Marant foram alvo de críticas furiosas. O site Revolución 3.0 tem um artigo completo sobre o assunto.
A diferença entre o caso Chanel e o das grifes Antik Batik e Isabel Marant Étoile é o tratamento dado aos artistas que originaram as coleções. O descaso inicial das duas últimas com a herança estética do povo indígena vai de encontro à política da moda em dar o crédito às inspirações, mesmo que elas estejam sob domínio público, como é o caso dos desenhos mexicanos.
Quando percebeu o erro, a Chanel prontamente pediu desculpas a Mati Ventrillon pelo mal entendido, mesmo que a estilista ainda tenha subsídio para acionar judicialmente a empresa e pedir indenização pela inquestionável similaridade entre as roupas.
TERRA SEM LEI
Mesmo que pense em ir a juízo, Matti Ventrillon terá de lidar com a complicada relação entre a moda e a cópia. É que não existe no mundo uma legislação específica que proteja os direitos de criações de moda. Afinal, calça, blusa, vestido, camiseta, calcinha, sutiã, cueca… tudo relacionado à funcionalidade da roupa já teria sido criado aos olhos da justiça. O que pode ser patenteado, no entanto, são as estampas, as cores e as padronagens, com legislações diferentes para cada país onde o pedido é feito.
Para fugir de acusações de plágio, muitas grifes, estilistas e redes varejistas costumam definir as semelhanças como “inspirações”. Na moda, convencionou-se usar o termo “inspired” para toda peça similar a uma outra já criada. Em 2013, após os donos das grifes Reserva e Osklen trocarem ofensas em suas contas no Instagram por causa do assunto, o debate voltou à tona no país.
O imbróglio sobre direitos autorais na moda pode durar anos e, geralmente, quem se sente lesado sai perdendo. O designer Christian Louboutin acionou a justiça, em 2010, para pedir indenizações da marca francesa Yves Saint Laurent e da brasileira Carmen Steffens. O motivo? Ambas teriam usado em suas peças o famoso solado vermelho dos sapatos Louboutin. O designer de sapatos perdeu a causa após longa disputa judicial.
Relembre o caso na entrevista que Chrisitan Louboutin concedeu à “Serafina”.
Quem também saiu perdendo nesse tipo de disputa foi a artista plástica colombiana Adriana Duque. Ela acusou a grife Dolce & Gabbana de plagiar fones de ouvido de sua autoria para usá-los como adorno no desfile de inverno 2016 da marca, realizado na semana de moda de Milão, em março deste ano.
As peças, cravejadas de pérolas e pedrarias luxosas, remetem ao barroco europeu que Duque explorou em suas séries de fotos Iconos e Iconos II. As fotos da artista retratam crianças em poses, roupas e situações “inspiradas” em quadros do século 16.
Entre o dito pelo não dito, 2015 foi um dos anos mais “inspired” para a moda.