Análise: Bowie não foi influenciado pela moda, ele era a própria moda

Por Pedro Diniz

Há uma clara diferença entre David Bowie e todos os artistas que, de alguma forma, influenciaram o mundo da moda. Ao contrário de nomes como Madonna, Michael Jackson ou Lady Gaga, para citar o olimpo da música pop, Bowie não criou moda, ele era a própria moda.

Quando fundou as bases do glam, ao lado de Brian Eno, 67, e Marc Bolan (1947-1977), não só colocou purpurina na cara e no guarda-roupa dos jovens dos anos 1970, como também enterrou o estilo certinho demais da juventude europeia e americana.

Criou o alienígena Ziggy Stardust, vestido com roupas do estilista japonês Kansai Yamamoto, 71, o guru imagético de Bowie. Depois de matá-lo, anteviu o movimento pós-punk da metade dos 70.

É que matar as próprias criações, antecipar-se às tendências e rechaçar qualquer relação com modismos vigentes foram características intrínsecas à trajetória do gênio da música e da imagem, fatores que definem o funcionamento do sistema da moda.

Veja as mudanças no estilo de David Bowie:

Pouco citada nas biografias e resumos da história do músico, Angie, sua mulher, lapidou o visual do marido entre as décadas de 1970 e 1980, período mais prolífico da estética de David Bowie e época do nascimento dos personagens concebidos por ele.

Ziggy, o mais famoso, começou a partir de uma tintura. Para copiar o vermelho da cabeleira da mulher, Bowie errou três vezes a aplicação da mistura de uma tinta alemã com um produto anticaspa, teve de cortar o cabelo na parte de trás e espetou a parte de cima.

A experiência contou com a mão da cabeleireira Suzy Fussy. Os looks, uma evolução da androginia iniciada por ele em “The Man Who Sold The World” (1970), foram descobertos por Bowie num vídeo do desfile de Yamamoto em Tóquio.

O raio azul e vermelho da capa de “Aladdin Sane” (1973) foi criação de Pierre LaRoche, um dos maiores maquiadores do século 20, que moldou o Ziggy até sua morte, em 1976.

Ninguém entendeu muito quando Bowie jogou fora as lantejoulas e aderiu ao visual sóbrio, todo em alfaiataria preta e branca, símbolo da decadência de “Thin White Duke” e de toda a geração pós-punk que surgiria logo depois.

Era o fim do glam, o nascimento das bases da “new wave”, e Bowie, mais uma vez, definiu a estética daquele tempo.

Quanto percebeu a overdose de referências dos anos 1980, alternou a alfaiataria com a imagem lúdica. O pierrô do clipe da música “Ashes to Ashes” foi a resposta de Bowie ao circo de horrores da indústria do entretenimento, que chegou ao auge na década de 1990.

Naquela época, quando tudo era reciclado, adaptado e reconstruído, o músico chamou um jovem gênio, o inglês Alexander McQueen (1969-2010) para criar o visual puído, desgastado e sem vida do casaco com estampa da bandeira inglesa usado na capa do disco “Earthling” (1997).

Era Bowie matando todos os seus personagens para, depois, ressurgir limpo, de ternos bem cortados – herança estética dos alfaiates da Savile Row, templo da alfaiataria londrina – e cabelo impecável.

No domingo (10) não morreu apenas o músico, mas o oráculo da indumentária do século 20 e base da nova androginia que, agora, voltou a estar na moda. Bowie fez primeiro.