A São Paulo Fashion Week mudará seu calendário de lançamentos. Os desfiles, que antes eram realizados em abril e em novembro, serão antecipados para fevereiro e julho. A nova configuração se adéqua a uma movimento mundial, e ainda em estudo pelas principais semanas de moda, de exibir coleções pouco antes de sua chegada às lojas.
É o que a indústria fashion chamou de “see now, buy now” ou “see now, buy now, wear now”, algo como “veja agora, compre agora, vista agora”, um modelo que será adotado já na próxima temporada, em setembro, por algumas marcas da semana de moda de Nova York, como Tommy Hilfiger e Proenza Schouler.
A SPFW passará a ser o primeira semana de desfiles dentro do novo formato. Segundo informações do evento, só em 2017 esse modelo, uma volta às origens da temporada paulistana quando ela ainda se chamava Morumbi Fashion, será implantado.
O fundador da São Paulo Fashion Week, Paulo Borges, falou à Folha, por e-mail, sobre as consequências dessa mudança. Veja a íntegra da entrevista usada na matéria publicada no caderno “Ilustrada” da última segunda-feira (7).
FOLHA — As pequenas marcas serão mais impactadas com a mudança do calendário porque vão ter de readequar a produção. Houve alguma conversa com as grifes?
PAULO BORGES –– É engano pensar que a produção deverá ser repensada. Não se trata de alterar a lógica do varejo, mas de apresentar o “grande show” próximo a ele, como já fazíamos no início, porém em outro cenário, onde não havia redes sociais, interatividade e o diálogo nas informações. Essa é a grande mudança.
O processo já está organizado. A ação agora em discussão é dar o mais rápido possível o produto que virou desejo imediato. Estamos o tempo todo em conversas com o mercado. Grifes, estilistas, compradores, veículos de imprensa. Sempre ouvimos de maneira geral o mercado para realizar qualquer movimento no calendário, porque nossa missão é ser uma plataforma, um “hub” para o segmento.
Estamos em contato com a Abest (Associação Brasileira dos Estilistas) e todos os seus associados. Nestes últimos meses, tivemos algumas conversas formais antes de tomarmos essa decisão. Cada marca terá de se planejar e fazer adequações particulares ao seu tamanho e ao formato de negócio.
O calendário havia mudado em 2012 e agora muda, mais uma vez, alinhado a um modelo internacional de vendas que ainda está em discussão. Acha que essa mudança é irreversível ou é fruto de mais uma corrente de varejo passageira?
A mudança anterior a que se refere foi mais um passo na direção de organizar e amadurecer o mercado. Eu o denomino de um processo B2B — do mercado para o mercado. Ela tinha a intenção de organizar o planejamento de desenvolvimento e produção, este ganho dos “showrooms” não se perderão nem devem se perder. Pelo contrário. Estas datas serão importantes para os compradores e para a imprensa. Aqui nascerá uma nova relação onde as informações apresentadas serão “embargadas” para estrategicamente se tornarem públicas no momento do grande lançamento, que é o desfile. A transformação da maneira como as pessoas desejam, se relacionam e consomem moda não vai voltar no tempo.
Neste sentido, só existe um caminho adiante. Em relação ao calendário, também vejo como nosso papel de elo para a indústria fazer adequações que mantenham a moda como uma resposta às transformações presentes. Esta terceira década da SPFW chega com uma série de aprendizados. Já havia dito anos atrás que essa fase 3 seria focada no negócio, e, de fato, é o que está ocorrendo. O desfile é hoje uma poderosa ferramenta de comunicação e de construção da marca. Agora, oferece diretamente ao consumidor aquilo que foi despertado como novo desejo.
As semanas de Paris e de Milão resistem a realizar essas mudanças. Em sua opinião, por que há resistência por parte das marcas “autorais” em mudar o sistema?
Paris será sempre muito mais tradicionalista. Pela sua própria história. A decisão aparente de não mudar nada pode durar um tempo, mas é inegável o avanço das inovações impostas ao mercado. Olhar de lado para elas não dará as respostas que o mercado como um todo pede.
Por hora, nesse modelo global delas, o atendimento do desejo do consumidor para consumo da coleção não é tão crucial, o consumidor encantado vai buscar o acessório ou outro item para se relacionar com a marca. Além disso, alguns exercícios de criação de moda vão trazer produções mais complexas que exigem um tempo diferente de execução.
Até mesmo na SPFW, ainda que com a mudança da data, sabemos que este não é um caminho ou modelo único. A melhor resposta do mercado será a adoção de modelos híbridos onde cada marca vai tomar a decisão do que será melhor para seu negócio. Trata-se de um redirecionamento da bússola. E a bússola aqui é o grande consumidor plugado e interativo.
Muita gente fala que o modelo atual de lançamentos de coleções beneficia o ‘business, e não a criatividade, que seria tolhida pelas multimarcas e pelos atacadistas. Eles, por sua vez, escolheriam e definiriam o que vende e o que não vende antes de o estilista apresentar sua ideia ao público. O que acha desse pensamento?
Sem dúvida esse será sempre um risco para qualquer movimento. Cada um deverá saber a medida para salvaguardar essa linha tênue que separa o showroom das vitrines e das ruas, e, principalmente, da alma dos consumidores. A criatividade, a novidade, a ousadia, são elas as reais responsáveis por despertar o desejo no consumidor, sem o criativo, não existe marca, não existe desejo.
Há 10 anos ou mais, o que se desfilava era tido como algo irreal, e hoje todos querem aquilo que foi visto nas passarelas. Esta é a grande mudança e evolução. Houve um caminho de encontro entre a criação e o consumidor.
É claro que os desenvolvimentos menos complexos vão chegar primeiro das passarelas às lojas, mas os exercícios de mais vanguarda sempre deverão fazer parte desse mix. Não acredito que um vá realmente matar o outro. Sempre haverá espaço na moda para a criação mais disruptiva.
Por que o tema dessa próxima edição da SPFW será “Mãos que valem ouro”? Tem algo a ver com o artesanato brasileiro?
Queremos provocar a reflexão sobre o poder de fazer com as mãos, sobre nosso DNA, nossa cultura, no sentido literal e também no mais subjetivo. As transformações que desejamos são feitas por aqueles que “tomam as questões pelas mãos”, “seguram as rédeas”, colocam “a mão na massa”. Também vamos tratar do nosso DNA criativo, que passa pelas mãos. O ouro faz referência ao potencial que reside aí e também ao ouro olímpico, nosso desejo de triunfar ante os obstáculos e desafios, nossa “garra”. A criação sem execução é efêmera, não acontece.