Se hoje a fotografia de ‘streetstyle’ (estilo de rua) é uma máquina de fazer dinheiro para grifes, que pagam para a celebridade, a blogueira ou qualquer pessoa com alguns milhares de seguidores no Instagram vestirem suas roupas em eventos, é porque o americano Bill Cunningham, morto no último sábado (25), aos 87 anos, abriu precedente para a rua virar passarela.
Numa leitura histórica, até os 1960 eram os estilistas quem davam o aval para, por exemplo, o vermelho ser a cor da temporada. Foi a partir das séries de imagens produzidas pelo fotógrafo que pessoas comuns, no caso, os nova-iorquinos, passaram a ter voz ativa sobre o estilo que deveria ser adotado.
Seu olhar antropológico sobre a vestimenta dos moradores da cidade se transformou numa assinatura de sucesso ou de fracasso para as tendências propagadas pela indústria. Mais além, serviram de guia para as próprias marcas identificarem rumos possíveis para o varejo.
É justo que tenham lhe dado o título de “lenda viva” de Nova York. É dele, e de parte da geração de estilistas “importados” da Europa que fizeram fama nos EUA, como Diane Von Furstenberg e Oscar de La Renta (1932-2014), a responsabilidade por tornar os habitantes de Manhattan modelos de elegância e ufanismo fashion.
A fórmula do colunista do “The New York Times” sempre foi o estímulo constante da visão periférica. Mesmo quando cobria as semanas de moda, seu objeto de estudo não eram os profissionais que transitavam pelos desfiles –apesar das tentativas de alguns deles.
Há dois anos, na porta de um desfile do estilista Michael Kors, em Nova York, lembro de uma convidada chamar a atenção das câmeras dos smartphones. Empacotada em roupas grossas de alfaiataria, próprias para aquele frio de -10ºC, ela passou três vezes por Cunningham, pronta para o clique certo que lhe renderia alguma fama.
Ele, com um meio sorriso, olhava para uma parede. Encostada nela, uma garota assitia ao burburinho enquanto amarrava os cadarços dos tênis brancos e sujos de lama combinados com uma saia xadrez vermelha e um casaco amarelo. Clique.
Foi essa sensibilidade para o inusitado, não necessariamente bonito, que rendeu fama ao fotógrafo. O pouco apreço pelos enquadramentos simétricos e pelas luzes cinematográficas, mandamentos dos blogs de “streetstyle”, imprimiram crueza jornalística nas imagens.
Próximo ao estilo de Cunningham está o do holandês Hans Eijkelboom, 63, que também se destacou pelo “olhar estrangeiro”, oposto à lógica narcisista da indústria.
Num mercado movido por cifras polpudas como é o da fotografia publicitária, o patriarca do ‘streetstyle’ não se rendeu às ofertas de grifes em busca de registros na coluna ‘On The Street’. Na obra de Cunningham não houve espaço para maquiagem e referências à estética comercial, mas sim para um retrato contundente da personalidade humana, a verdadeira essência da moda.